"Não faz sentido para nós começar a extrair a madeira de nosso assentamento", diz Fábio, que interrompeu a construção de uma nova casa de madeira para conversar com a BBC. "As empresas madeireiras não nos pagariam o suficiente, e isso destruiria a floresta. E precisamos dela para o futuro de nossas crianças."
Ele prefere dedicar-se ao plantio de cacau.
Subornos e ameaças
Durante anos, os moradores do PDS Esperança levantam preocupações quanto ao roubo de madeira de sua terra. Eles dizem que a prática é rotineira e que os madeireiros falsificam documentos para fazer parecer que a madeira foi extraída legalmente.
Para que a extração seja legal, é preciso que o dono da terra faça um inventário de suas espécies de madeira e peçam autorização do governo para explorá-las, dentro de um limite. A autorização prevê também que, após a retirada da madeira, a área seja reflorestada.
Mas madeireiros ilegais obtêm autorizações por meio de subornos e ameaças a donos de terras. Depois, os madeireiros usam essas autorizações para encobrir a extração ilegal feita em outras áreas.
Procurado pela BBC, o governo brasileiro se recusou a comentar a respeito dessa prática.
Assentamentos vigiados
Anos atrás, preocupados com o extrativismo ilegal, os moradores do PDS Esperança bloquearam a entrada de seu assentamento, para evitar a entrada de madeireiros.
Após sete meses de tensões, conseguiram convencer o Incra, que distribui e organiza os assentamentos, a construir guaritas para que o PDS Esperança pudesse ser vigiado e a pagar por vigias privados.
A guarita ainda está de pé, e ajuda a explicar por que a vida é relativamente tranquila no PDS Esperança, apesar de alguns moradores ainda receberem ameaças de morte de madeireiros.
A tensão é maior em outro assentamento, o PDS Virola-Jatobá, onde a maioria das 180 famílias tenta impedir que extrativistas ilegais continuem a roubar sua madeira.
Eles fazem rodízio durante as 24 horas do dia para guardar a entrada do local.
No final de setembro, uma família descobriu que os madeireiros haviam construído em segredo uma trilha para os fundos de sua terra, para que pudessem escoar a madeira cortada por um afluente do rio Amazonas. No dia seguinte, um pequeno grupo de assentados, acompanhado por funcionários do Incra, acompanharam à distância o som das motosserras até flagrarem a atuação dos madeireiros.
Um dos assentados, que prefere não se identificar, admite ter sentido medo. "Não sabíamos o que esperar. Tínhamos medo de que houvesse guardas armados protegendo (os madeireiros)."
Mas não estavam, e aceitaram interromper a extração de madeira. Os dois lados acabaram jantando juntos.
Ameaças
Ao mesmo tempo, autoridades brasileiras estão capacitando alguns assentados para que eles façam a extração de madeira dentro da lei, mas, por conta disso, passam a sofrer ameaças dos extrativistas ilegais.
Urará, uma cidade de 50 mil habitantes na região da Transamazônica, é uma típica cidade de fronteira, sem água corrente, esgoto ou aeroporto - exceto as pequenas pistas clandestinas, que muitos dizem ser usadas para o tráfico de drogas.
A cidade tem em abundância, porém, empresas madeireiras, principais motores de sua economia.
Quando escurece, caminhões sem placas chegam a áreas repletas de madeira que, segundo os moradores, são extraídas ilegalmente.
Na manhã seguinte, saem emplacados e carregados com madeiras identificadas, conforme a lei. Essa madeira poderá ser vendida no mercado doméstico ou exportada.
Conflitos de terra
Os assentamentos de Esperança e Virola-Jatobá foram criados pela freira americana Dorothy Stang (morta em 2005 por atiradores que agiam em nome de proprietários de terra da região) como uma forma de reagir à ocupação da floresta feita pelos madeireiros.
Os locais têm forte ênfase na conservação da Amazônia - os assentados podem cultivar suas terras, mas não vendê-las.
Tanto o Esperança quanto o Virola-Jatobá se mostraram bem-sucedidos, mas - considerando que eles não foram totalmente endossados pelo governo brasileiro - seu modelo são foi replicado na região, como queria Dorothy Stang.
As disputas de terra que resultaram em sua morte permanecem vivas.
Em 2009, uma placa de homenagem foi pregada a uma árvore próxima de onde a irmã Dorothy foi assassinada. Logo a placa foi cravada com balas de revólver. A mensagem é clara: fazendeiros que resistem à extração ilegal de madeira estão correndo riscos.
Mateus P. C. e Santos, nº 34